Olho para o horizonte e reparo na onda que aí vem. Começa a perseguição. Remo o mais que posso e coloco-me no sítio certo. Ganho velocidade, agarro a prancha com as duas mãos e ponho-me de pé. Faço uma sucessão de manobras e mal posso acreditar na qualidade da onda. Ao final de 20 segundos já estou a remar para o outside para tentar apanhar outra destas.
O surf é uma das experiências que me provoca Flow. OFlowacontece quando estamos completamente concentrados numa atividade. Nesses momentos, perdemos a noção do tempo e não pensamos em quaisquer problemas que possamos ter. Estamos a fazer aquilo que mais gostamos e só isso é suficiente. Segundo Mihaly Csikszentmihalyi, esses são os momentos mais felizes da nossa vida, e também aqueles em que nós mais crescemos.
E se o Flow nos traz felicidade e crescimento, devemos maximizar o tempo que aí estamos, certo? Este artigo descreve os 8 elementos desta experiência, e como podemos transformar qualquer atividade em Flow.
Os elementos do Flow
1. Objetivos bem definidos
Para atingir o Flow, a atividade tem de ter, em primeiro lugar, objetivos muito claros. Ao surfar, e dependendo do nosso nível, o objetivo poderá ser conseguir ficar em cima da prancha ou fazer um tubo. Devemos começar uma atividade que possa ser acabada e fixar objetivos pequenos, que possam ser cumpridos rapidamente. Sentir que estamos a evoluir numa atividade é muito importante para a nossa motivação. Depois de uma experiência de Flow, a pessoa sente que melhorou as suas capacidades e que cumpriu os seus objetivos. Isso motiva-a para continuar, neste caso, a surfar.
2. Concentração na atividade
Durante o Flow, toda a nossa atenção está concentrada na tarefa que realizamos. Parece que mais nada interessa senão o que estamos a fazer. E alguém pode vir falar connosco que não a conseguimos ouvir. Com certeza isso já te aconteceu. Quanto maior a concentração, mais intenso é o Flow, e melhor é a qualidade do trabalho produzido. Mas, infelizmente, a nossa atenção é limitada. Daí que o investimento dela em coisas importantes seja crucial. Porque os resultados que temos da vida dependem de onde gastamos a nossa atenção.
Attention can be invested in innumerable ways, ways that can make life either rich or miserable. - Mihaly Csikszentmihalyi
Com toda a liberdade de escolha e tecnologia que temos atualmente, deveria ser mais fácil entrar no estado de Flow. Mas sabes que não é isso que acontece. Cada vez há mais distrações. A TV, o facebook e o telemóvel, todos competem pela nossa atenção. Além disso somos fãs do multitasking, que divide a atenção por muitas coisas diferentes (umas menos importantes que outras). Não podemos, nem devemos, voltar atrás no tempo e limitar as escolhas que temos atualmente. Mas, se queremos estar mais vezes em Flow e ser felizes, temos de reduzir essas distrações.
Attention is our most important tool in the task of improving the quality of experience. - Mihaly Csikszentmihalyi
The future will belong not only to the educated man, but to the man who is educated to use his leisure wisely. - C. K. Brightbill
3. Perda de auto-consciência
Quando estamos sozinhos e com pouca coisa para fazer, a mente começa a divagar para os problemas do dia-a-dia. Mas quando estamos em Flow, nada nos atormenta. Já não interessa se a nota do teste foi má ou se vamos conseguir ser promovidos. Durante o Flow, nem pensamos se estamos felizes ou tristes, porque a concentração está focada na atividade.
4. Sensação de tempo distorcida
Esta é fácil e acontece-nos a toda a hora. O tempo ganha uma nova dimensão durante o Flow. Passa mais devagar porque estamos conscientes de cada movimento que fazemos. Mas depois do Flow, parece que passou tudo muito rapidamente.
Hours pass by in minutes, and minutes can stretch out to seem like hours - Mihaly Csikszentmihalyi
5. Feedback imediato
Não só é importante ter objetivos claros e alcançáveis, como também ter feedback imediato sobre aquilo que estamos a fazer. Se estiver a surfar numa aula, o instrutor irá corrigir a minha postura na hora. Se alguma coisa estiver errada, posso melhorar rapidamente. Imagina que estás a trabalhar, e não tens noção alguma se o teu trabalho está bem feito ou não. Começas a ter dúvidas e ficas irritado - quebras o Flow. Por isso é tão importante ter um feedback rápido para que te sintas bem.
6. Equilíbrio entre as capacidades e o desafio
Se fazes uma tarefa muito básica, ficas aborrecido. Se por outro lado essa tarefa é demasiado complexa para as tuas capacidades, ficas stressado. De qualquer maneira, esses sentimentos incomodam e deixas de estar em Flow. O Flow acontece na fronteira entre o aborrecimento e o stress, quando as nossas capacidades estão de acordo com o desafio proposto. Por isso, quando estás a aprender alguma coisa nova, tens de aumentar o desafio à medida que vais evoluindo. Só desta forma vais conseguir estar em Flow durante essa atividade.
O gráfico acima realça bem o jogo entre as tuas capacidades e o desafio a que te propões. Começas, por exemplo, a praticar surf e ficas feliz por apanhar umas espumas e, de vez em quando, conseguires estar em cima da prancha (A1). À medida que vais evoluindo, melhoras as tuas capacidades, e agora consegues fazer o take-off em todas as ondas. Se não agarras outro desafio, e continuas a surfar as mesmas ondas com a mesma prancha, ficas aborrecido (A2). É nesse momento que deves melhorar o teu equipamento e passar para ondas mais complexas. Assim ficas em Flow novamente porque as tuas novas capacidades têm agora um desafio à altura (A4). Por outro lado, não deves começar a praticar surf com uma prancha pequena, porque aí o desafio é muito maior que as tuas capacidades e ficas stressado (A3).
Se queres estar em Flow mais vezes e durante mais tempo, tens de dominar este esquema. Aprende a reconhecer oportunidades para melhorar as tuas capacidades e continuar a evoluir no teu trabalho ou hobby.
Enjoyment appears at the boundary between boredom and anxiety, when the challenges are just balanced with the person’s capacity to act. - Mihaly Csikszentmihalyi
7. Controle pessoal sobre a atividade.
Se não pudemos, ou não achamos que pudemos, controlar o que fazemos, sentimo-nos impotentes. E não é possível estar em Flow se não tivermos poder de decisão sobre as nossas ações, porque nesse momento começamos a pensar nos problemas e a atenção foge dessa atividade.
8. A atividade é em si recompensadora, não exigindo esforço.
O dinheiro ou o poder nada interessam quando estamos em Flow. Nesse momento , fazemos qualquer coisa porque fazê-lo dá-nos prazer. Estamos à aprender pelo aprender em si. E, mesmo que a tarefa precise de esforço físico e/ou mental, nós não o sentimos. Resumidamente, o Flow é a experiência ótima. Durante o Flow não pensamos em nós mesmos e fazemos a atividade porque ela é recompensadora por si própria. Não sentimos esforço e o tempo tem agenda própria. Temos objetivos muito claros e alcançáveis, feedback imediato, controlo total sobre as nossas ações, e as nossas capacidades estão em sintonia com o desafio proposto. Depois do Flow, ficamos mais fortes e felizes.
O Flow como chave para a felicidade
Estás a dedicar a tua atenção às coisas certas? Gostas do que fazes profissionalmente? É isso que queres continuar a fazer? Costumas estar em Flow? Temos a capacidade para apreciar todos os momentos da nossa vida. Podemos estar em Flow ao conversar com uma pessoa interessante, ao ouvir música, ao ver um filme, ao comer e ao ver uma paisagem bonita. Mas infelizmente fazemos tudo à pressa e deixamos de apreciar as pequenas coisas do dia-a-dia. Precisamos de treinar a mente para atingir altos níveis de concentração. Só assim ficaremos em Flow mais vezes e durante mais tempo. Ao focar a nossa atenção naquilo que é importante, evitando pressões externas, podemos alterar a nossa vida completamente através do Flow. Aprende também a meditare a ser otimista. Conhece as tuas forças, e respeita a tua personalidade. Por último, inspira-te ao ler sobre pessoas que já passaram por muito na vida. Vai ajudar-te a escolher o melhor caminho para a felicidade, onde deves investir a tua atenção e quais devem ser as tuas experiências de Flow.
Those who try to make life better for everyone without having learned to control their own lives first usually end up making things worse all around. - Mihaly Csikszentmihalyi
Creating meaning involves bringing order to the contents of the mind by integrating one’s actions into a unified flow experience. - Mihaly Csikszentmihalyi
Of all the virtues we can learn no trait is more useful, more essential for survival, and more likely to improve the quality of life than the ability to transform adversity into an enjoyable challenge. - Mihaly Csikszentmihalyi
Iniciando o mês de Maio, é tempo de analisar os livros que li em Abril. Se ainda não leste o post de Março, fica aqui o link. Desde que tenho o kobo, tenho escolhido os livros "a dedo", com ajuda do Goodreads. Se gostas de ler e não conheces esta rede social, convido-te a experimentar. É similar ao IMDb mas com foco nos livros. Podes aceder à pontuação do livro dada pelos utilizadores, criar listas de leitura, indicar os livros que já leste, queres ler e que estás a ler neste momento. Tudo isto e muito mais.
Em Abril comecei por explorar a ciência do otimismo e a discussão que geramos dentro da nossa cabeça. Cansado do stress do dia à dia, li um livro sobre como relaxar e aproveitar os pequenos prazeres da vida. Passei para os clássicos, li O grande livro de Stephen Hawking e inspirado para pensar sobre o futuro do universo, li um clássico de ficção científica. Para acabar o mês em grande, decidi experimentar o livro que nos promete que abrir uma empresa pode custar tão pouco como 100 dólares. Aqui segue a lista dos 5 livros que li em Abril:
Este é um livro que fala sobre otimismo e pessimismo. Martin E.P, Seligman analisa a maneira como as pessoas pensam e contam histórias a si mesmas e os efeitos que esses pensamentos têm nas suas ações e sucesso pessoal. Aconselho vivamente a leitura de Learned Optimism porque ao lê-lo e ao fazer o teste que eles nos coloca, conseguimos perceber se somos maioritariamente otimistas ou pessimistas e o que podemos fazer para melhorar a forma como pensamos. Para saberes mais sobre este livro, segue este link para um post que fiz recentemente, onde analiso este livro em detalhe e a ciência do otimismo e pessimismo. Tenho a certeza que vais achar Learned Optimist tão interessante quanto eu achei.
Tom Hodgkinson coloca-nos a vida em perspectiva e faz-nos analisar o ciclo de trabalho-descanso. Apesar de exagerar um pouco por vezes e parecer um eterno preguiçoso, há grandes verdades em How To Be Idle e por isso recomendo-o. Neste livro percebemos porque é que esta sociedade bebe muito café, o que significa "o mundo real de trabalho", entendemos a pressão que existe na sociedade atual para que cada pessoa defina uma especialidade e, mais que tudo, na sua obsessão pelo trabalho.
Tom Hodgkinson fala dos pequenos prazeres da vida, tais como ler, meditar e acordar tarde. Além disso, consegue transmitir uma grande profundidade com algumas coisas que escreve. Seguem algumas passagens do livro, traduzidas para português:
"O café é para vencedores, pessoas que vão atrás, que ignoram chá, cancelam almoços, acordam cedo, que se envergonham do seu empenho, são obcecados por dinheiro e por status e são pessoas lunáticas vazias espiritualmente."
"Será que o "mundo real" significa trabalhar no duro, todo o dia, para produzir coisas inúteis que tornam as outras pessoas mais pobres e infelizes?"
"Esquece todo esse lixo sobre teres de te especializar em uma área e torna-te um "homem dos sete ofícios". Aprende a cuidar de ti mesmo. Pinta, lê, escreve e toca música. Torna-te mediano em várias coisas ao invés de muito bom numa só coisa."
Breve História do Tempo é um livro que te faz sonhar sobre o universo, escrito pelo famoso físico Stephen Hawking. Provavelmente não irás gostar muito do livro se não tiveres um interesse forte por ciência, porque Stephen Hawking entra em detalhe sobre as teorias físicas. Neste livro fiquei a perceber a história da física e as contribuições que grandes cientistas como Newton e Einstein tiveram para formular as leis físicas que regem o nosso mundo.
Neste momento existem duas grandes teorias que explicam o universo: a teoria da relatividade geral e a teoria quântica. Grande parte do trabalho de Stephen Hawking é tentar perceber como é que estas duas teorias podem ser agrupadas numa grande teoria de tudo. Este é um livro fascinante que terão de ler pelo menos uma vez na vida.
Este livro é um grande clássico, escrito pelo famoso pai da ficção científica, Issac Asimov. Desde já quero esclarecer que este livro pouco tem a ver com o filme que nele se inspirou. Eu, Robot é um pequeno livro que agrega algumas histórias sobre a (futura) evolução da inteligência dos robô e sobre os problemas cognitivos que foram surgindo nessa evolução.
Neste livro, Issac Asimov apresenta-nos as 3 leis respeitadas por qualquer robô construído pelo homem:
1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos excepto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
3ª Lei: Um robô deve proteger a sua própria existência desde que tal protecção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei.
Aconselho vivamente a leitura desde clássico que nos faz pensar sobre a humanidade e sobre os desafios que teremos no futuro.
Em "The $100 Startup", Chris Guillebeau mostra-nos como podemos abrir um negócio com tão pouco como 100 dólares e trabalhar em algo que valorizamos. Ao longo do livro, Chris Guillebeau aprensenta-nos a história de pessoas que decidiram "romper" com o caminho convencional de carreira e criar um negócio à volta de coisas que valorizavam, obtendo grandes resultados. Além disso, "The 100$ Startup" introduz técnicas para começar e melhorar o nosso negócio.
Deixo algumas passagens do livro, traduzidas para português, que achei muito interessantes:
"Não existe um programa de reabilitação para pessoas que são viciadas na liberdade. Depois de veres o que está do outro lado, boa sorte em tentar seguir as regras de outra pessoa mais uma vez."
"O valor é criado quando uma pessoa faz alguma coisa de útil e a partilha com o mundo."
"Paixão ou habilidade + utilidade = sucesso."
"Constrói qualquer coisa que desejes comprar e outras pessoas também o vão querer provavelmente"
"Um bom lançamento (produto, serviço, etc) é como um filme de Hollywood. Primeiro vais ouvir falar dele muito tempo antes do lançamento, depois ouves falar mais sobre ele antes da estreia e no final vês a multidão de pessoas a aguardar ansiosamente pelo lançamento do filme."
"Não precisas da permissão de ninguém para seguir os teus sonhos"
"Don't waste your life living someone else's life" - Steve Jobs Espero que tenhas gostado deste pequeno conjunto de livros. Se leste qualquer um deles, comenta em baixo a tua opinião sobre este. E já agora, quais são os clássicos que pretendes ler? Quais foram os livros que te inspiraram?
Recentemente li o livro Learned Optimism do psicólogo Martin E.P. Seligman. Este livro fala sobre otimistas e pessimistas. Onde achas que encaixa a tua personalidade? Faço aqui um pequeno resumo dos pontos essenciais do livro mas aconselho a sua leitura porque é daqueles livros com um potencial gigante para mudar a vida de alguém.
Os primeiros trabalhos de Seligman estão à volta da depressão e das suas causas. No princípio da sua carreira, descobriu que o comportamento animal pode não só ser afectado por recompensas e punições, mas também por um efeito que ele chamou de Learned Helplessness (ou, na minha tradução, indefesa aprendida).
O sistema de recompensas e punições é bastante intuitivo. Ao dar comida (recompensa) a um rato cada vez que ele carrega numa alavanca ou dar um choque (punição) cada vez que ele faz alguma coisa que não queremos, estamos a moldar o comportamento do rato. Ele aprende o que deve ou não deve fazer de forma a otimizar a sua experiência no mundo.
Para estudar a indefesa aprendida, Seligman desenhou outro tipo de experiência. Organizou cães em 3 grupos e submeteu-os a diferentes condições: o 1º grupo de cães recebia um choque até que carregasse num botão. Com o passar do tempo, estes cães aprendiam que podiam controlar a sua dor; O 2º grupo não tinha qualquer controlo sobre os choques que recebia. O choque apenas era desligado quando o cão do 1º grupo carregasse no botão. O 3º grupo de cães, o grupo de controlo, não recebiam qualquer choque. No início Seligman estava muito relutante em fazer experiências com animais, mas prometeu a si mesmo que iria parar no momento que provasse o efeito da indefesa aprendida.
Depois da fase de "aprendizagem", os cães foram submetidos a uma experiência diferente. Todos os cães, independentemente do grupo, foram submetidos a uma condição em que recebiam um choque elétrico até que saltassem uma pequena vedação (tinham de descobrir isto sozinhos). O que aconteceu foi extraordinário. A maioria dos cães do 1º e 3º grupo não tiveram problema nenhum em descobrir como desligar o choque. No entanto, a maior parte dos cães do 2º grupo nada fez, ficou parado. Podes pensar que ele "aprendeu" que ficar parado desligava os choques, mas não foi isso. Seligman repetiu a experiência com outras condições para garantir as conclusões que tinha chegado. Os cães do 2º grupo tinham "aprendido" que nada que pudessem fazer tinha resultados. Mesmo numa condição em que podiam evitar receber os choques, os cães foram completamente passivos. Conclusão: aprenderam a ser indefesos.
A ligação entre Indefesa Aprendida, Depressão e Pessimismo
Depois destas experiências, muitos estudos se fizerem ligando a "indefesa aprendida" à depressão. Se estás interessado neste tema, queria que soubesses que o livro está muito bem escrito e a ciência está muito profissional. Seligman não deriva as suas conclusões "à jornalista". Em estudos científicos é necessário perceber se dois eventos estão correlacionados, ou seja, têm os dois uma terceira causa, ou se esses dois eventos pertencem a um conjunto causa-efeito. No segundo caso é ainda necessário perceber qual é a causa e qual é o efeito. Nem sempre a resposta certa é intuitiva.
Todos passamos por momentos de depressão, derivados da realidade não corresponder às nossas expectativas. Se muitas vezes estes epísodios duram apenas alguns dias ou semanas, há momentos que infelizmente são mais que momentos e podem durar vários meses ou anos. Seligman percebeu que a Indefesa Aprendida é um efeito típico da depressão. Em episódios depressivos, as pessoas sentem-se indefesas e não acreditam que alguma coisa que façam pode alterar o rumo das suas vidas. Mas, ao longo das suas experiências, agora feitas também em humanos, Seligman percebeu que há algumas pessoas que tendem a resistir à Indefesa Aprendida. Estas são as pessoas que persistem em resposta a uma adversidade, que tendem a não se deixar ir abaixo e que tendem a contrariar a depressão. Qual é a diferença entre essas pessoas e as que se vão abaixo mais facilmente? Seligman descobriu que a razão não é pelas primeiras serem mais bonitas, fortes ou inteligentes. O que distingue o comportamento das pessoas é a maneira como elas explicam a si mesmas aquilo que lhes acontece, tanto para maus eventos como para bons eventos. E é aqui que entra o seu estudo sobre otimistas e pessimistas.
És otimista ou pessimista? Faz o teste
Antes de ler o resto do post é importante que faças um teste. Não deverá demorar mais de 15 minutos e vais descobrir se és maioritariamente otimista ou pessimista. Segue ESTE link e NÃO LEIAS A EXPLICAÇÃO SEGUINTE ANTES DE ACABAR O TESTE. VAI AFETAR AS TUAS RESPOSTAS.
Provavelmente agora estás a pensar o que querem dizer essas pontuações. Simplificando, a tua pontuação final está em "Good minus Bad Score". Se fores pessimista, não te preocupes. A boa notícia é que podes mudar a tua maneira de pensar. Eu digo-te como, no final deste post, tal como aprendi no livro Learned Optimism. Antes disso é importante que percebas a tua pontuação e todos os outros campos que fazem parte do resultado do teste.
Permanência
Esta métrica mede a maneira como interpretas aquilo que te acontece em termos temporais. Costumas dizer "Faço sempre tudo mal" ou "Hoje não estou nos meus dias"? Se és pessimista, provavelmente consideras os eventos maus como permanentes: "Nunca faço boa comida", "Estou sempre a falhar", "Nunca vou conseguir acabar este projeto". Já para os eventos positivos acontece o contrário. Se és pessimista vês aquilo que te acontece de bom como temporário. É o típico "tive sorte". Um pensamento otimista é o contrário do pessimista, vê os eventos negativos como temporários e os eventos positivos como permanentes.
Abrangência
Os pessimistas tendem a colocar "tudo no mesmo saco" quando alguma coisa lhes acontece. Estes não pensam ser maus a fazer comida ou a jogar futebol. Tendem a pensar: "faço sempre tudo mal". Colocam um carácter geral ao tipo de maus eventos, ou maus pensamentos. Por exemplo, um pessimista pensaria que "todos os livros são maus", ao passo que um otimista diria "este livro é mau". Para os bons eventos ocorre o contrário. Os pessimistas tendem a pensar "eu sou inteligente a matemática", ou seja, a restringir as suas competências e os otimistas tendem a pensar "eu sou inteligente". Se a permanência tem um carácter temporal, a abrangência tem um carácter espacial. Vejamos 2 exemplos muito pessimistas: "Faço sempre tudo mal" e "Hoje tive sorte no exame de condução". Um otimista diria de forma contrária relativamente aos mesmos eventos: "Hoje o teste correu-me mal" e "Tenho sempre sorte".
Personalização
Este critério é o mais fácil de entender. Os extremamentes otimistas (e ninguém deve sê-lo) acham que a culpa é sempre dos outros e os extremamente pessimistas pensam que a culpa é sempre deles. Para os eventos positivos a balança vira. Os otimistas atribuem o sucesso ao seu próprio mérito e os pessimistas acham que tiveram sorte ou muita ajuda. Certamente não há só 2 tipos de pessoas. É muito provável que te encontres na média otimista-pessimista. Ás vezes tens pensamentos menos otimistas e outras vezes mais pessimistas. No entanto, se és maioritariamente pessimista, deves mudar um pouco a tua maneira de pensar porque te vai trazer muitas vantagens. Resumindo, se és pessimista, é mais provável que aches os maus eventos como permanentes ("vai durar para sempre"), abrangentes ("vai arruinar a minha vida toda") e pessoais ("a culpa é minha"). Os otimistas pensam que as suas infelicidades são temporárias ("tive um dia mau"), específicas ("correu-me mal o teste") e externas ("a culpa é do sistema"). Para eventos positivos é tudo ao contrário. Os pessimistas acham que o que é bom é temporário, específico e externo, ao passo que os otimistas acreditam que é permanente, abrangente e pessoal.
As vantagens de ser otimista
A forma como nós pensamos tem um impacto enorme na forma como nos comportamos e portanto no nosso sucesso. Ser otimista tem várias vantagens, como mostra Martin Seligman em Learned Optimism:
Sucesso no trabalho. Os otimistas tendem a não desistir perante a adversidade e portanto obtêm melhores resultados.
Promoção de atividade, ao passo que o pessimismo torna a pessoa mais passiva.
Felicidade. Uma atitude negativa causa ansiedade e mau-estar.
Melhor saúde. Já está provada a ligação entre o cérebro (a forma como pensamos) e o sistema imunitário. Pessoas otimistas têm uma melhor defesa e por isso resistem melhor a doenças.
Imunidade contra depressão. Os pessimistas têm um maior risco de ter episódios de depressão porque são mais susceptíveis a sentirem-se indefesos.
Melhores relações sociais. As pessoas gostam de ver uma boa atitude e palavras positivas vindas de outra pessoa. Nesse aspeto, os otimistas fazem amigos e obtêm confiança com maior facilidade.
Sucesso no desporto. Mais uma vez, ao não desistir, os otimistas acabam por obter melhores resultados.
Quando não ser otimista
Mas o mundo não é só dos otimistas. Há uma razão evolucionária para haver pessimismo. Há 10.000 anos, um caçador que pensasse que era mais forte que um tigre não vivia muito tempo. Temos os genes de pessoas pessimistas, que se protegeram dos perigos. Mas o mundo mudou muito desde aí. O pessimismo ainda tem lugar no mundo, mas não ao nível que herdamos biologicamente. Hoje em dia não somos submetidos a tanto perigo como era o homem de há 10.000 atrás. Vários estudos também apontam que os ligeiros pessimistas vêm a realidade mais nitidamente. Mais cedo devemos confiar na versão do pessimista que a do otimista quando nos contam ambos um episódio comum. Também sabemos que ser super otimista é mau porque normalmente estas pessoas têm excesso de confiança e são pouco responsáveis pelos seus atos. Há que saber escolher quando ser otimista e quando ter pensamentos mais conservadores. Quando a nossa segurança está em risco, não podemos ser otimistas! Mas devemos escolher ter uma atitude positiva quando o risco é baixo e quando sabemos que devemos fazer algo porque nos irá fazer bem.
Método ABCDE para ser mais otimista
Felizmente Seligman apresenta um método para mudar a maneira como pensamos e interpretamos o que nos acontece. O método ABCDE envolve a consciencialização daquilo que estamos a pensar e, se for uma interpretação tipicamente pessimista, refutar esse pensamento e colocá-lo numa perspectiva positiva e construtiva. Apresento de seguida as várias fases deste método.
A, Adversidade, B, Crença ("Belief") e C, Consequência
O processo começa com uma adversidade, ou seja, qualquer coisa que nos acontece, boa ou má. Pode ser "O meu chefe ralhou comigo", "Tive uma má nota num teste", "Um amigo não atendeu o telemóvel", "Tive a melhor nota no teste" ou "Os meus amigos disseram que adoraram o jantar que preparei". O primeiro ponto é simplesmente um facto, aquilo que aconteceu de verdade.
De seguida vem a nossa interpretação, o nosso método de explicar aquilo que nos aconteceu. A isto chama-mos crença. É aqui que o otimismo e pessimismo se refletem. Como disse acima, um otimista vê os maus eventos como temporários, específicos e externos, enquanto que um pessimista os vê como permanentes, abrangentes e internos.
Se acreditarmos que o facto do chefe ralhar connosco é porque "Faço sempre tudo mal. Nunca consigo acertar nada. Vou ser despedido...", o que achas que é o resultado? Claro que nos vamos sentir mal, indefesos e vamos reagir passivamente. Até somos capazes de passar o resto do dia mal-dispostos e descarregar a nossa frustração em cima de um amigo ou familiar. E se ao invés pensarmos "O chefe está provavelmente num dia mau. Ele tinha razão em algumas coisas, mas exagerou."? A consequência vai ser mais feliz. Se o chefe teve alguma razão no que disse, até interpretamos as suas palavras como um incentivo para melhorar. Se não teve razão, apenas ignoramos e passamos o resto do dia mais tranquilos.
A interpretação e consequência também acontecem para os eventos bons. Se reagirmos a uma boa nota num teste com "Tive sorte. Estava mais inspirado nesse dia. Por acaso estudei aquilo que saiu e tive boa nota.", estamos a confiar muito na sorte e não atribuímos o sucesso a causas internas, ao facto de termos estudado para o teste e estarmos bem preparados.
D, Disputa e E, Energização
Para mudar a nossa crença pessimista e a consequência negativa que se segue, temos de discutir com a nossa crença, temos de a colocar em perspectiva, temos de ver a realidade como ela é, temos de "positivar" a nossa crença. Aqui fica um exemplo de como podemos disputar os nossos pensamentos negativos:
Adversidade: "Enviei o currículo para um estágio que estava mesmo interessado e ainda não me responderam."
Crença: "Sou pior que todos os outros candidatos. O meu currículo está mal feito. O que estava a pensar quando me candidatei? Já sabia que não ia ficar. Sou mesmo estúpido."
Consequência: "Sinto-me mal e não me apetece fazer nada. Acho que vou passar o resto da semana a ver filmes e pensar naquilo que me aconteceu."
Disputa: "Calma! Este estágio é muito concorrido. Provavelmente recebem dezenas de candidaturas todos os dias e ainda não tiveram tempo de contactar todas as pessoas. Eu sei que tenho um bom currículo e tenho uma forte possibilidade de entrar no estágio."
Energização: "Agora sinto-me bastante melhor. Este estágio parece muito interessante mas vou dedicar o resto da semana a procurar outras oportunidades. Quantos mais currículos enviar, maior as possibilidades de conseguir um bom trabalho."
Estás a perceber como funciona? Se mudares a tua crença vais sentir-te melhor e vais levantar-te e tomar uma ação que contrarie aquilo que te aconteceu. Por outro lado, abraça aquilo que bom te acontece. Atribui o sucesso à tua dedicação (sem exageros).
Outra maneira muito interessante e eficaz de refutar as tuas crenças é pedires a um amigo que te atire "bocas" sobre uma situação, que seja cruel contigo. Normalmente nós não gostamos quando nos fazem acusações, mas fazemos isso mesmo a nós próprios. Se for outra pessoa a fazer as acusações vamos puder disputar esses argumentos muito mais facilmente, chegando rapidamente a uma interpretação lógica e positiva.
Adiamento
Agora imagina que não podes "discutir" com os teus pensamentos. Tens trabalho para fazer que não pode esperar. Podes rejeitar então a crença e marcar uma "discussão" interna para mais tarde. Atribui uma hora específica do dia, mais tarde, para contrariares aquilo que te aconteceu. Vais ver que ao fazeres isto o evento mau vai perder importância, vais sentir-te melhor e provavelmente nem haverá discussão mais tarde. O que o teu cérebro queria era apenas chatear-te e fazer-te pensar sobre problemas que não existem. Ao adiares a discussão, tudo perde importância. Se for uma coisa mesmo importante, ao pensar mais tarde vais estar com a cabeça mais fria e vais puder ver as coisas mais claramente, chegando a uma conclusão positiva e construtiva.
Nota final
Claro que é mais fácil falar que fazer. Mas tem calma, a nossa maneira de pensar não se altera do dia para a noite. Pensar positivo é um hábito. Se treinares regularmente o método ABCDE vais tornar-te uma pessoa mais tranquila, ativa e feliz. Lembra-te também que o objetivo não é ser estupidamente otimista porque sabemos que isso traz desvantagens. Temos de saber escolher quando ser mais otimista, porque a situação nos permite, ou ter um pensamento mais conservador, quando a nossa segurança está em jogo. Espero que tenhas aprendido alguma coisa com este post. Por vezes, apenas saber como trabalha o nosso cérebro ajuda-nos a interpretar aquilo que sentimos e o comportamento que temos. Ao ler sobre psicologia, em vez de te tornares um maníaco, vendo problemas em todo o lado, tornas-te uma pessoa mais tranquila e paciente. Se ficaste interessado neste tema, vê este TEDTalk de Martin E.P. Seligman. Até um próximo post! Conhece a página do Facebook d'O Macaco de Imitação.
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.